Itamar Marcondes Farah

Algumas cenas do cotidiano

Grupinho I / 1997

 

 

 

Levantando as expectativas iniciais, logo no  primeiro encontro, as crianças dos dois grupos solicitam do jeito deles, temas gerais como higiene, cuidar de si mesmo, respeito e educação nas relações... 

Pareciam realmente saber o que queriam.

Receptivas, as crianças demonstravam  interesse e curiosidade  nos três momentos. Aos poucos iam se acostumando com formato do grupinho, apresentando um desempenho ativo diante das propostas. Depois de algumas semanas de trabalho, pareciam se sentir mais a vontade, questionando sobre o tema do dia, quando seria o dia da próxima sessão, ofereciam ajuda para transportar o material necessário para o salão, solicitavam músicas que mais gostavam, propunham sugestões de brincadeiras.

Observei inicialmente  que a maioria das crianças do grupo I imitavam e repetiam frases dos colegas. Aos poucos iam conseguindo  expressar suas idéias de forma mais personalizada, discriminando, comparando e discutindo opiniões pessoais entre si.

Katia dizia: - “Tia, olha o Toninho,  está copiando de mim...Fala prá ele fazer o dele !”

A princípio , pareciam não discriminar seus sentimentos. Percebo aos poucos, que no dia a dia, já conseguiam  utilizar o que trabalhamos, identificando e nomeando corretamente o que percebiam em si mesmos e nos colegas.

No tema Infeliz e Feliz, levantando com as crianças, quando se sentem infelizes, Laura responde -

“- Quando vejo meu coleguinha deficiente...”

 Inicialmente durante o aquecimento, comecei ajudar cada um a “dançar” ou brincar com  sua cadeira, no meio de todas as crianças, solicitando ajuda das ADIs. A idéia era despertar um novo olhar , que todos poderiam participar, só que cada um do seu jeito. No começo, Laura e Talita se oferecem para ajudar, empurrando a cadeira dos colegas. Aos poucos, observo que a maioria quer colaborar de alguma forma .

Imaginem a cena:

Todos dançando e brincando. Toninho, Fernando e Cleiton  resolveram apostar corrida com as cadeiras . A impressão que eu tinha, é que estavam tão eufóricos, que esqueciam que havia uma criança sentada lá, pois faziam manobras perigosas . Lucas ia de “carona”... rindo muito! “Derrapando” como um carrinho,  inclusive  com efeitos sonoros ,as ADIs em pânico , Chico às gargalhadas  e Bruno rindo parecendo se divertir com isso!

Estavam descobrindo que podiam brincar ,cooperar e podiam aprender como, sem riscos para nenhum deles.

 Conversando isso com as crianças, juntos vamos buscando novos caminhos : Como podemos brincar sem nos machucar?

As crianças opinam: Empurrando mais devagar,  dançando com o colega na cadeira ou  ao lado dele , indo de “carona” , se revezando entre si, sozinhos.

À princípio, observei que Tamara se retraia. Tentava incluí-la na atividade. Aos poucos, vai descobrindo que pode ir “tocando” sozinha sua cadeirinha (que é cor de rosa), junto com os colegas, ficava eufórica por participar de forma mais independente, principalmente porque antes utilizava um cadeirão. Os jogos eram adaptados, estátua com as mãos, dança da cadeira, com a dela .Nesses momentos, observava que as crianças não percebiam Tamara como uma  rival. Em alguns jogos, Tamara não competia de igual para igual, ela percebia isso, eles também...

O mundo é assim.

Tamara desde cedo, aprende a  descobrir, novas formas para se adaptar as situações e  já consegue perceber potencialidades em si mesma, utilizando-as hoje,  participando por exemplo do teatrinho de fantoches com todos,  atrás do cenário... mesmo que apertadinho.

 

Outra cena: Todos saindo do salão, Tamara parece esperar  que alguém a empurre. Eu digo:“- Vamos Tamara, você consegue sozinha, que folgada ! (risos)”

Tamara rindo “sai pela lateral”, Katia e Flávia repetem:

“- É Tamara, você consegue...” , Mariana afirma: “- Ela sabe ir ,Itamar”.

Quando Cleiton arrisca uma falas em público, ficamos felizes com seu progresso! Já consegue dizer o que desenhou e  participar de conversas informais. Até as crianças  no inicio pareciam vibrar : “ - Viu tia Itamar ! O Cleiton sabe falar...”

Rodrigo parece menos refratário especialmente nos momentos musicais,  canta  palavras da música  em voz alta com movimentos de ”flapping e king em pé “(Alfredo Jeruzalinsky /pág 155) , saltita em círculo as vezes entre as crianças “talvez pela necessidade de movimentar seu corpo, para organizar os estímulos que recebe e aprender através da atividades” (Alfredo Jeruzalinsky /pág 156) . Hoje ocasionalmente já  “dança” de mãos dadas com as ADIs ou mesmo permite toques e afagos de Fernando, Talita , outras crianças  e  determinadas pessoas; entra na fila com os demais, onde “o olho errante do autista pode se deter quando o que o Outro olha torna-se significante    para ele” (Alfredo Jeruzalinsky /pág 28).  Durante a atividade , permanece desconectado com o meio, as vezes  começa a chorar muito, parecendo estar incomodado com alguma coisa. A solução parece ser levar Rodrigo dar uma volta onde geralmente se tranquiliza, as vezes retornando para o relaxamento. Interessante observar que esse  tipo de música parece mobilizar alguma coisa em Rodrigo, pois consegue estar por alguns minutos, deitado entre as crianças, sem  movimentos estereotipados ou ecolalias. Nesses momentos  questiono profundamente a validade da inclusão, em tempo integral,  para todos, pois cada caso é um caso .

Como as crianças percebiam esta situação? Acho que da mesma forma que eu sentia! Tentando entender, só que com os recursos delas.