conteúdo Itamar Marcondes Farah
Grupinho II / 1997
Por isso os módulos foram adaptados seguindo um percurso diferenciado. Durante o aquecimento, o processo utilizado foi o mesmo que o grupo I, sendo que observava que as crianças quando participavam do jogo lúdico inicial geralmente acabavam se machucando. Em um segundo estava alguém chorando e vários acusando. - Vamos parar tudo! Eu dizia. Conversa um pouco. Contratamos regras de convivência com todo grupo, continua. Por muitas semanas, senti dificuldades em concluir as sessões ou demorava muito além do tempo previsto, nos desgastando muito. Depois de alguns meses, quando percebia resultados significativos, observamos que havia competição entre as ADIs dos dois grupos. Isso refletia nas crianças que perguntavam : “- Tia, porque o grupo I já fez isso e nós não? Ou “ - Você só leva o grupo I ...” Trabalhando com as ADIs em reciclagem, que simplesmente não existe “mais adiantado” em Grupo Terapêutico, pois cada grupo tem seu tempo, passamos a conversar com as crianças também. As perguntas começaram a tomar um outro rumo -: “- É hoje tia , que vamos para o grupinho? Quando é o nosso dia?”
O grupo já apresentava progressos. Agora mais tranquilos, podiam demonstrar afetividade e cumplicidade entre os integrantes, inclusive também demostram interesse em colaborar com os colegas com deficiência. Dudu, Augusto e Gabriel ajudam a empurrar ou vão de carona, no cadeirão de César. Quando cansam, brincam com os outros. Interessante que sempre aparece alguém para colaborar. Cristina necessita de apoio para se movimentar. Inicialmente com as mãos dadas com o mediador, aos poucos vai tentando mesmo que aos tropeços sozinha encontrando formas, como dançar no lugar .No meio da agitação Cristina com um pequeno “esbarrão” de alguém, já cai devido a falta de equilíbrio. As crianças, absorvidas na atividade, parecem não perceber, ”passam por cima”. Mesmo resolvendo essas questões, observo que Cristina não é muito requisitada pelos colegas. Sua necessidade em ser reconhecida, a fala infantilizada, solicitando intensamente a opinião do mediador e crianças, dificultava seu crescimento e desenvolvimento de uma maior autonomia nas relações. Afastava as outras crianças. Hoje, mesmo conseguindo utilizar recursos mais produtivos, um pouco mais confiante, Cristina ainda apresenta dificuldades em se relacionar com os colegas. O mesmo ocorre com Denise, que parecia só conseguir se relacionar com o outro, agredindo-o . Plano de apoio nesse casos, foi fundamental, incluindo todos os aspectos, tanto familiar, como na relação com as ADIs. Assim, ao invés de afastar os colegas, Denise começou a descobrir novas formas de se relacionar , invertendo o círculo vicioso que estava capturada. Gabriel parece encontrar meios diversificados de brincar com o outro, descobrindo características em si mesmo que surpreende a todos, como ser cooperativo e solidário. As crianças começam a apresentar opiniões diversificadas, trocam entre si, argumentam, ajudando a enriquecer o trabalho. Ricardo e Sandra já conseguem se expressar no grupo, Fabrício e Jane , sempre com idéias interessantes a colocar. Anna também mais ativa, está aprendendo a lidar com suas frustrações, ela diz : -“É tia, estou de “bico”! Tô com raiva, porque...”
Kelly à princípio, além de não querer participar do aquecimento, só desenhava a si mesma, da seguinte forma: um rosto muito grande, com muitos enfeites, meio corpo sobre a página excluindo os membros inferiores. Hoje ,“toca” sua cadeira , no meio das outras crianças e já faz desenhos de si mesma de corpo inteiro, na cadeira de rodas, muito criativos demonstrando melhor auto - percepção. Inclusive enfeitando a cadeira com pequenos adesivos. Quando César está, durante a atividade participa observando tudo, emitindo opiniões com gestos ( positivo com os dedos) ou sorrisos, desenhando como consegue.
Outras, na tentativa de explorar o meio com as mãos, Marta acaba invadindo os colegas, levando os papéis à boca, tumultuando o ambiente. Quando conseguíamos tranquiliza-la, falando em tom baixo, com toques físicos onde “...o papel do olhar, toque, são sinalizadores insubstituíveis do lugar do sujeito” (Alfredo Jeruzalinsky /pág 155 ), Marta permanecia na sala. Quando possível ,tentava utilizar outra estratégia inserindo alguns materiais pertinentes ao tema, para que pudesse explorar com as mãos. Por exemplo, coração de plástico para afeto, algodão, bonecos de família de plástico, pois os de pano Marta explorava oralmente e assim por diante. Em momentos que a situação ficava complicada , pois parecia que Marta se incomodava com barulhos, se desorganizava internamente, começava a gritar muito. A ADI a levava para outro ambiente, conseguindo tranquiliza-la, às vezes retornando para o relaxamento... As crianças aos poucos, também apresentam iniciativa com toques e carinhos, expressando seus sentimentos. Alguns querem saber por que ela faz isso ou porque não consegue parar de gritar. - Marta tem deficiência e esse é o jeito dela reclamar , porque está incomodada com alguma coisa. Vou tentar conversar com ela... Perto das crianças vou buscando caminhos( que eu mesmo desconheço). O grupo parece compreender que Marta necessita de materiais diferentes e ficam curiosos querendo saber por quê. Todos ficam muito curiosos e experimentam a exploração dos materiais específicos . Com a vivência sensorial, utilizada no tema deficiência ? parece que algumas crianças aprimoraram a empatia . Sandra chega perto, fecha os olhos e com as mãos sobre as mãos de Marta diz: “Assim Marta...” (ensinando-a a explorar os bonecos).
“- Parabéns Marta!” diz Augusto que começa a bater palmas seguido de todas as crianças!
Por alguns minutos, nós ficamos num lugar de observadoras da atuação das crianças. E isso acontecia frequentemente...
Roberto desenvolveu sua percepção sensorial de forma diferenciada, devido a deficiência auditiva. Observa atentamente ao redor e participa dos jogos propostos parecendo deduzir ( a ação geralmente acontece segundos depois) ou imita as crianças participando do contexto. Mesmo explicando de formas muito diferentes, a dificuldade em compreender a natureza de uma tarefa específica , as vezes, prejudica uma participação mais efetiva. Talvez essa não fosse uma tarefa indicada para ele...
Cena Em dois pequenos grupos, todos procurando fotos diferentes de famílias .Roberto transita pelos dois grupos. Tento conversar com com gestos, mostro fotos de algumas famílias, tento com os bonecos que estão com Marta e solicito que recorte também. Algumas vezes dava certo, outras fazia birras se negando a participar, ficava com “bico” no canto da sala, observando o grupo. Na segunda tentativa , quando consigo resultados positivos, Roberto volta ao grupo mas insiste em recortar carros... No dia que trabalhamos o tema Criar ou Imitar, por exemplo, Roberto ficou com a marionete na mão, brincando de teatrinho com os demais atrás do cenário. Esse momento foi Importante para Roberto , pois percebeu que conseguia estar na atividade com todos! Me questionava o quanto conseguiu absorver do tema proposto e a metodologia empregada. Não é a criança que precisa se adaptar a atividade, Nós como profissionais, que precisamos ser criativos e procurarmos alcançar cada criança.
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