Vida Executiva – Revista Exame- 28/07/99

Você é (mesmo) genial?

A genialidade não tem cor, sexo, idade, credo ou ideologia. Ela depende da postura que você adotar



César Souza*

Se você quiser ser considerado um "gênio" no mundo corporativo do século 21, não precisa ficar tentando ser a versão pós-moderna de Einstein nem do inventor aloprado da Disney, o Professor Pardal. A genialidade que será relevante para o sucesso estará mais na sua postura pessoal do que em sua capacidade de inventar um produto, fazer uma descoberta científica ou ter um lampejo de inspiração em um momento mágico. 

Você será considerado genial se souber criar condições favoráveis para que a genialidade se manifeste nas outras pessoas - não só no seu trabalho, mas também na família e na comunidade onde vive. No mundo corporativo do futuro, ser genial será arquitetar e implantar formas de organização capazes de permitir que produtos sejam inventados, descobertas científicas sejam feitas e repentes criativos sejam transformados em vantagem competitiva. Em poucas palavras, ser genial será saber estimular a genialidade dos outros. 

Você não está convencido? Então responda rápido: qual a criação mais genial de Walt Disney, o americano que continua sendo adorado por nove entre dez crianças (e adultos) no mundo inteiro, décadas depois de sua morte? Foram os seus famosos personagens, como o Mickey, o Pato Donald e a Branca de Neve, certo? Errado! Seu ato mais genial foi ter moldado a própria Disney como uma empresa cuja cultura propicia as condições para que esses e outros tantos personagens geniais pudessem ser criados. O mesmo pode-se dizer do Bill Gates, cujo maior ato de genialidade não foi a criação do Windows 95, mas, sim, o de montar uma empresa cujo modo de ser pouco ortodoxo tem estimulado a inovação contínua de seu pessoal. Um exemplo doméstico pode ser encontrado no caso da Natura. Sua genialidade não está na qualidade dos seus produtos, mas na força do seu exército de consultoras de vendas montado de forma brilhante por seus líderes. Outros exemplos de culturas que estimulam a criatividade de seus membros são os da Amil, TAM, Odebrecht e, mais recentemente, da Embraer. 

Os líderes empresariais do passado foram especialistas em construir "paredes" que delimitavam bem o território de ação de seus departamentos ou da empresa como um todo. Os líderes do futuro precisam derrubar essas paredes e construir "pontes" internas e externas que liberem a criatividade dos seus talentos humanos, conectando-os melhor tanto entre si quanto com seus clientes, fornecedores e comunidades em que atuam. 

A criatividade é o diferencial decisivo das empresas vencedoras, aquelas feitas para durar. As demais estão fadadas ao desaparecimento pela incapacidade de atrair, desenvolver e reter os melhores talentos. Criatividade e estratégia estão andando de mãos dadas nas empresas vencedoras, aquelas que possuem um valor de mercado superior ao seu valor patrimonial. A diferença está no capital intelectual, o ativo que não aparece nos balanços das empresas, mas que reflete o seu grau de criatividade. Nossas empresas precisam de muita criatividade em várias áreas - desenho de produtos, marketing, publicidade, finanças, logística de distribuição - para perceber oportunidades e até mesmo para reinventar seus negócios. Só assim poderão fazer face às radicais transformações causadas pela tecnologia da informação, pelo decréscimo da fidelidade de clientes e pela (com o perdão da palavra) globalização. 

Por todas essas razões, a capacidade de criar passou a ser a mais valiosa dentre as suas várias competências pessoais. A forma pela qual você a exerce será a mola propulsora para todas as outras competências essenciais que você precisa para ter sucesso no mundo corporativo. Um dos aspectos mais importantes na condução da sua carreira no futuro será a gestão da genialidade. Esse é um termo mais apropriado que "gestão do conhecimento", pois é a criatividade que transforma conhecimento em resultado prático. 

O primeiro passo para cultivar sua genialidade consiste na identificação e remoção das barreiras mentais que estão condicionando e aprisionando possíveis expressões da sua criatividade. Ou fazendo com que você próprio esteja se tornando uma barreira para a criatividade dos outros. O velho ditado popular de que "o olho do dono é que engorda o gado" ilustra bem um desses bloqueios mentais, refletindo uma mentalidade controladora que certamente inibe a manifestação da genialidade dos outros. Alguns outros bloqueios decorrem de atitudes, tais como a intolerância com a ambigüidade, o medo de errar, a busca de culpados, o julgamento preconceituoso, o pessimismo e a passividade. 

Um belo exemplo pode ser extraído da necessidade de aumentar nossa competitividade no exterior. Somos reverenciados lá fora pela nossa criatividade, sempre associada a outro badalado atributo nacional, o "jogo de cintura" que inegavelmente possuímos. O que nos impede, então, de termos um número maior de marcas, patentes, produtos e empresas mais competitivas e conhecidas internacionalmente? A explicação não está na falta de oportunidades, de capital ou tecnologia. A verdadeira causa são os modelos mentais que bloqueiam uma presença mais arrojada no mercado externo. 

Outro passo muito importante: procure trabalhar em empresas cuja filosofia respeite a sinergia advinda da diversidade dos talentos humanos. Evite desperdiçar o seu naquelas que esterilizam a criatividade por intermédio do culto ao conformismo e ao poder. 

Prepare-se também para desmascarar alguns mitos. Um deles: a criatividade é um atributo natural de uns poucos privilegiados. Falso, pois todas as pessoas possuem potencial criativo, inclusive as que vivem ao seu redor. O que as diferencia é o seu estilo de criar. Algumas são mais adaptadoras, enquanto outras são mais inovadoras e criam coisas realmente novas. Outro mito: a criatividade é sinônimo de anarquia ou caos. Na realidade é o fruto do equilíbrio entre inspiração e disciplina, intuição e intelecto, técnica e postura. A genialidade não tem cor, sexo, idade, tamanho, ideologia, credo ou classe social. Para competir melhor no próximo milênio precisaremos de gênios onde quer que estejam. Algumas vendedoras de acarajé da Bahia exerceram toda sua genialidade no contra-ataque que lançaram sobre seus novos concorrentes globalizados, as redes dos McDonald's e dos sanduíches Subway, ao promover a venda eletrônica de seus acepipes via Internet! No passado, os "gênios" eram caricaturados dentro de garrafas que os aprisionavam. Hoje, precisamos libertá-los dos retângulos dos organogramas empresariais, das salas de aula e dos sofás defronte da televisão. 

Mãos à obra! Mas não se esqueça de usar, além das mãos, seu coração, cérebro e espírito. Comece enfrentando a realidade: qual a última vez que você participou de uma reunião que criou algo novo? Quantos talentos criativos sua empresa perdeu no último ano? O que ela está fazendo para atrair, reter e desenvolver novos talentos criativos? Qual a última vez que você foi mesmo genial por estimular a criatividade de outros?

* César Souza é vice-presidente sênior da Odebrecht of America e leciona no Advanced Program da Wharton School of Management

 

FONTE : REVISTA EXAME