Os hábitos fazem o monge

Por Nely Caixeta/ Revista Exame /Março 2000

Se o Brasil quer competir na economia global, precisa investir na autonomia e no crescimento das pessoas, diz o autor do livro de auto-ajuda mais vendido nos Estados Unidos, Os 7 Hábitos de Pessoas Muito Eficazes


 

Os números falam por ele. O guru da auto-ajuda Stephen Covey é o autor do livro de negócios mais vendido nos Estados Unidos, Os 7 Hábitos de Pessoas Muito Eficazes, que em dez anos foi traduzido para 32 línguas e vendeu cerca de 15 milhões de exemplares. A empresa da qual é vice-presidente, a Franklin Covey Company (resultado da fusão do Centro de Liderança Covey com a Franklin Quest), faturou 550 milhões de dólares no ano passado. Entre seus clientes estão 80 das 100 maiores empresas americanas e mais de 75% das 500 maiores da lista da revista Fortune. A organização, com sede em Provo, no estado de Utah, conta com 4 000 consultores treinados em 44 escritórios de 37 países. Inclusive no Brasil, onde a Franklin Covey começou a trabalhar este mês, com 14 consultores.

Não são só os números que falam por Covey. Ele também fala por números. Eis alguns títulos de seus livros e artigos: as coisas mais importantes em primeiro lugar, os sete hábitos de pessoas (e famílias, e empresas, e o que mais vier) muito eficazes, as dez chaves para uma era de mudanças. Quando aponta o que chama de sua realização mais importante, a família, Covey cita o fato de ter nove filhos e 31 netos. Daqui a dez anos, acredita que terá 50 netos e 40 bisnetos. 

Mesmo antes de inaugurar a filial brasileira, os ensinamentos de Covey (que colabora com a revista Você s.a.) já chegaram a grandes empresas, como o grupo Pão de Açúcar e o Banco do Brasil. Ele planeja visitar o país em 2002. Tamanha organização da agenda mostra que o guru segue sua própria pregação. 

Covey é mórmon e, quando comenta a impressionante tiragem somada de seus livros (perto de 18 milhões de exemplares), refere-se a "um sentimento fascinante de missão". Uma missão familiar, também. O filho Sean adaptou o principal livro de Covey e lançou Os 7 Hábitos dos Adolescentes Muito Eficazes. Será que os netos vão herdar o filão? "Não tinha pensado nisso. Boa idéia", diz Covey. Leia abaixo as 16 perguntas que fizemos a ele. 

As empresas exigem que seus funcionários sejam eficientes, flexíveis, tenham uma visão internacional e saibam línguas. Mas não basta ser paranóico no trabalho. É preciso encontrar tempo para suas famílias, viajar e ter um hobby. O senhor não acha que isso acaba se transformando em mais um fator de estresse no trabalho e em casa?
Você acaba de descrever o que nós ensinamos no hábito 3 do livro Os 7 Hábitos das Famílias Altamente Eficazes (editora Best Seller). Nele, dizemos que uma das sensações mais desagradáveis do mundo é perceber que estamos tratando as prioridades da nossa vida - incluindo aí a família - como coisas secundárias. É preciso estabelecer prioridades na vida e ser capaz de dizer não para as coisas que não são importantes. As pessoas gastam a metade do tempo de sua vida fazendo coisas urgentes, mas que não são importantes. Isso acontece porque a maior parte delas não sabe o que realmente conta na vida. No fim, a vida nos ensina que o que importa é a família. 

Não é irrealista colocá-la em primeiro lugar na lista das prioridades quando se sabe que a maior parte das pessoas que trabalham fora têm de cumprir ordens e não podem dispor livremente de seu tempo?
Você acha isso? Colocar-se no papel de vítima é uma atitude que examino no hábito 1 (o hábito 1 é: Seja Proativo). Ninguém é vítima de ninguém. Você é o senhor de si mesmo. Há histórias de pessoas que mesmo na prisão conseguiram fazer mudanças extraordinárias. Pense em todos os lugares onde não existe liberdade. Bobagem! As pessoas podem mudar até mesmo as prisões. Uma das primeiras coisas que dizemos no hábito 1 é que é preciso livrar-se dessa mania de posar de vítima. Livrar-se dessa sensação de que você é o produto das circunstâncias. Não é verdade. Você é o resultado de suas próprias decisões e escolhas. Evidentemente, isso não acontece da noite para o dia, mas pouco a pouco você muda as circunstâncias. 

Por que a Franklin Covey decidiu instalar uma subsidiária no Brasil?
É uma rica oportunidade de propagar para as organizações e as famílias brasileiras os nossos conceitos a respeito da liderança baseada em princípios. A realidade do mundo atual, com a economia globalizada e as pressões por mais qualidade e custos menores, passou a exigir das companhias a concessão de maior poder a seus funcionários. O Brasil parece que deseja realmente competir nessa economia global e isso muda o jogo. Toda a nossa visão é no sentido de simplificar e tornar mais eficientes as organizações para que possam melhor servir a seus clientes. Se elas realmente quiserem competir na economia global - coisa que o Brasil sustenta que quer fazer --, é preciso focar naquilo que dá mais poder às pessoas e as faz crescer. 

Por que é fundamental ampliar a liberdade de ação dos funcionários?
É preciso desenvolver as habilidades e a personalidade das pessoas de toda a organização, de modo que possam tomar contato com as realidades da Nova Economia global. Você precisa estar focado nos seus clientes, precisa ser rápido, eficiente e flexível. Em resumo, é preciso ter uma força de trabalho com poder, uma vez que o controle hierárquico tradicional, de cima para baixo, está se tornando obsoleto. Ou seja, o velho estilo de gestão hierárquica não funciona mais diante das necessidades da Nova Economia global. 

Até que ponto as pessoas estão dispostas a trocar hábitos arraigados há tanto tempo por novas idéias?
Mudanças de comportamento são sempre difíceis. Por isso, abordamos essa questão dizendo que o processo de mudança deve ser precedido por uma mudança pessoal. Muitos de nossos clientes tiveram de passar por transformações internas antes de poder iniciar as transformações externas. Quem tentar implantar mudanças sem ter se transformado internamente irá fracassar. Mas o homem é capaz de mudar. 

Por que a Franklin Covey faz tanto sucesso?
Porque conseguimos identificar os problemas e os princípios universais que funcionam. Hoje, 75% das 500 maiores empresas listadas pela Fortune são nossos clientes. Trabalhamos em 5 000 escolas nos Estados Unidos. Damos consultoria a todos os níveis do governo americano - na esfera federal, estadual e municipal. Estamos presentes em 30 países e estamos muito ansiosos para fazer a mesma coisa no Brasil. É uma área muito promissora, porque o Brasil deseja exercer um papel de liderança na economia mundial. O Brasil não deseja apenas sobreviver, mas também prosperar. A ética do brasileiro é fazer o melhor e atingir a excelência, mantendo a vida em família de maneira equilibrada. 

Em que países o senhor tem divulgado suas idéias?
Faço conferências em todo o mundo. Estive na China em novembro passado. Trabalhei com o presidente da Coréia e com ministros de seu gabinete. Na Índia, usei em minhas conferências princípios do livro sagrado Bhagavad-Gita (O canto do senhor). Estive no Egito há cinco meses e ensinei com base no Corão. Essa é a literatura básica das religiões do mundo. No Egito, falei com ministros do presidente Hosni Mubarak e dirigentes empresariais. Em Bombaim e Nova Délhi, conversei com ministros de estados, congressistas e executivos de empresas privadas. 

Suas palestras atingem pessoas assim tão diferentes, de lugares tão distantes?
Isso não faz a menor diferença. A dor é universal e os princípios também. E boa parte das famílias também está se desintegrando em todo o mundo. 

Que dor universal é essa?
Os males crônicos e os desafios globais a que me refiro incluem: 1) as pessoas se sentem desautorizadas. Mais de 95% das pessoas acreditam que o seu talento e a sua capacidade não têm sido explorados. 2) Há menos confiança. Quanto tempo é gasto em comunicação improdutiva, conflitos, rivalidades pessoais ou de departamento, jogos políticos, bate-bocas, críticas ou queixas? 3) Não há objetivo ou valores em comum. 4) Estruturas e sistemas não estão propriamente alinhados. Um exemplo: uma empresa pode declarar que promove o trabalho de equipe, mas eles vendem sistemas de compensação de remuneração individual, trabalho competitivo. 

Qual é o impacto que essas idéias provocam nas corporações?
Essas idéias estão se propagando como fogo selvagem em todo o mundo. Isso permitirá aos países queimar as etapas do processo de desenvolvimento ocorrido nos Estados Unidos nos anos 70, 80 e 90. A resposta não é focar no modelo americano, mas sim em princípios que são universais. É preciso construir com base em princípios que geram grande confiança dentro das culturas organizacionais e que fazem as pessoas perceber que a liderança é uma questão de escolha, e não do cargo em si. 

Quais são esses princípios universais?
São os princípios que confrontam e resolvem o sofrimento, que constroem e corrigem os relacionamentos, tanto no trabalho como em casa. Verdade, integridade, empatia, respeito, compreensão e sinceridade são alguns dos princípios que verdadeiramente curam problemas e mágoas. 

Quais foram os exemplos de mudanças mais marcantes que o senhor observou em suas andanças pelo mundo?
Há o caso do presidente de uma grande empresa da África do Sul. Ele ficou exultante depois de derrotar o filho numa partida de monopólio. Era um jogo sem importância. Mais tarde, ele passou a se questionar no íntimo: "O que aconteceu comigo? Tenho fome de poder e quero controlar as pessoas". A partir desse episódio, mergulhou num profundo processo de mudança pessoal. Principal executivo da maior cadeia de varejo da África do Sul, com centenas de lojas em todo o país, ele passou a confiar mais nas pessoas a sua volta e acabou por lhes dar mais poder de decisão. Inclusive aos negros marginalizados pelas políticas de segregação racial do passado. O resultado é que essa empresa se tornou o maior e mais poderoso grupo de lojas de confecções da África do Sul. Tudo começou com a mudança interna de seu principal executivo. As mudanças externas vieram a seguir. Essa história é um dos oito casos que descrevo no livro Vivendo os 7 Hábitos. Cada um mostra como as pessoas conseguiram revolucionar seus negócios, famílias, escolas e governos por meio desse processo de transformação interior. 

Quais são, a seu ver, as virtudes e as fraquezas do Brasil?
É um povo extraordinário, com grande tradição de foco na família, sem falar em seus recursos naturais fantásticos. Acho que a fragilidade reside na falta de poder das camadas de baixo da população e no excesso de controle autoritário. Os altos executivos costumam tomar as decisões importantes para todo o resto da empresa. Há problemas também relacionados à questão da confiança. A confiança nas organizações é criada por meio de caráter e competência - no plano individual e organizacional. Do presidente até funcionários de todos os níveis, cada pessoa deve manifestar uma forte personalidade. Em outras palavras, princípio centrado em liderança deve estar dentro da personalidade de cada pessoa, a fim de ganhar crédito e confiança de outros. 

Como é possível convencer os chefes de que eles precisam, para o bem das empresas, abrir mão de uma fatia de seu poder e compartilhá-lo com seus subordinados?
Você acabou de descrever o que nós ensinamos nos nossos livros. Para ter o espírito de ganha-ganha, é preciso buscar o que chamo de A Regra de Ouro: ir atrás do benefício mútuo. É preciso raciocinar em termos de "nós", e não mais em termos de "eu". Ou seja, deixar de lado o egocentrismo e investir no trabalho em equipe. Mas para que isso aconteça é necessário ter um ideal sobre o que é certo, qual é a sua visão, qual é a sua missão. Esse é o hábito 2, que eu chamo de começar com um objetivo em mente. 

Como o senhor vê o ambiente de trabalho nos próximos anos com o advento da Internet?
Muito dependerá da natureza de cada usuário. Os egoístas vão usar as novas tecnologias para aumentar ainda mais a alienação e reduzir o grau de confiança entre as pessoas. Mas quem se importa com aqueles a sua volta empregará as novas tecnologias para permanecer mais próximo de seus clientes e conferir maior poder para que seus empregados produzam mais. A tecnologia pode ser tanto uma bênção como uma desgraça, mas irá mudar tudo de maneira muito profunda. Quando a infra-estrutura avança, tudo o mais acompanha. 

O senhor aplica os seus conceitos de eficiência no seu dia-a-dia? O senhor é hoje melhor marido, pai e avô do que há, digamos, 15 anos?
Não mudei tanto, porque sempre fui muito dedicado à minha família e aos meus filhos. Tenho hoje 31 netos, filhos de meus nove filhos. Nós focamos primordialmente a família. É isso o que importa. Daí a importância do casamento. Sem casamentos fortes, não há famílias fortes. O primeiro laço da sociedade é o casamento. Quando ele se esgarça, o resto tende a se esgarçar também.