Mestiçagem Global

Reportagem de Capa REVISTA EXAME - 06/09/2000

O que é preciso para vencer na economia globalizada? O compromisso com a mistura de pessoas, de experiências e de idéias. O futuro vai pertencer às empresas e aos países que abraçarem a causa da diversidade para estimular a criatividade

Por G. Pascal Zachary

A diversidade determina a saúde e a prosperidade das nações - assim como determina as empresas e as pessoas dentro delas. Nas empresas, a mistura de raças, grupos étnicos e nacionalidades - em seus países de origem e no exterior - tem mostrado um aumento sem precedentes. Em um mundo cada vez mais interconectado, indivíduos, organizações e até países inteiros retiram força e personalidade de locais tão próximos quanto a sua vizinhança imediata e tão distantes quanto um continente remoto. Misturar é a nova norma. O híbrido sobressai. Poderoso é o mestiço.

Isso não é uma moda passageira. É antes uma mudança profunda. Diga adeus ao puro, ao direito, ao liso. Esqueça o original, o primeiro, o único. A mistura prevalece sobre o isolamento. Ela desenvolve a criatividade, impulsiona o crescimento econômico, torna poderosas as nações. Categorias raciais, étnicas e nacionais não mais impõem barreiras fixas ou tradições inflexíveis. Essas categorias não desaparecem. Em vez disso, elas se juntam às diversas peças de um caleidoscópio, que a cada instante apresenta uma imagem diferente.

Nada pode deter a ascensão dos mestiços - gente que zomba da própria idéia de que união requer homogeneidade ou de que a vitória depende de conseguir abafar as dissidências, sob o manto da uniformidade. Nações ricas vão se tornar mestiças porque isso é bom e direito. Elas vão se tornar mestiças porque é o único antídoto contra a estagnação, a única fonte durável de inovação, a única maneira viável de preservar suas tradições abraçando ao mesmo tempo a mudança. E o que acontece com as nações acontece com as empresas. As condições para criar prosperidade mudaram de maneira a levar em conta o vigor de indivíduos híbridos, de organizações e de nações. E os que querem lucrar com a modificação das condições econômicas devem enxergar o hibridismo como sua primeira e melhor opção.

A habilidade para aplicar conhecimento a situações novas é a moeda mais valorizada na economia de hoje. Mais do que nunca, a criatividade recompensa os que a exercem, tanto que a curiosidade a respeito da fonte da criatividade nunca foi tão grande. O modo como se dá a criatividade é um enigma, mas algumas coisas parecem claras. Pessoas altamente criativas não necessariamente se destacam por sua capacidade cerebral bruta. Elas possuem na verdade algum grau de inadequação. Elas tendem a questionar modos de ver geralmente aceitos e a levar em consideração visões contraditórias. Não é por coincidência que tal apreciação dos paradoxos define a mentalidade mestiça.

As conotações dessa falta de sincronia podem ser observadas facilmente: o pensamento divergente é um ingrediente essencial da criatividade. Grupos diversos produzem pensamentos diversos. Essa lógica se aplica a corporações, equipes de pesquisa, reuniões de especialistas e outros grupos de criação. As pessoas que confiam em pessoas diferentes provavelmente poderão inovar mais do que os que confiam em pelotões de pessoas similares. É claro que o hibridismo tem riscos. Uma pessoa híbrida pode perder-se numa mixórdia de ramificações. Uma nação híbrida pode estragar o processo de reinvenção. Ainda assim, o preço de tais erros parece ser menor do que o custo de estabelecer círculos em torno de grupos étnicos e de excluir pessoas que são diferentes, ou de forçá-las a se tornar "um de nós".

Nunca antes tantas pessoas cruzaram linhas raciais e étnicas para se casar. Nunca antes tantas pessoas deixaram sua terra natal por motivo de trabalho ou de prazer. Nunca antes tantas pessoas usaram roupas ou saborearam alimentos, estilos musicais e idéias de culturas que não estavam disponíveis quando elas eram moças. Essas pessoas não estão se tornando despersonalizadas ou diletantes. Elas pertencem ao fluxo de criatividade humana que está sendo estabelecido por meio da mistura radical.

O que segue, portanto, são retratos do novo poder dos híbridos, do triunfo dos "mestiços". Encontrando esse tipo de pessoas, estamos encontrando a nós mesmos - e ao nosso futuro. "Não se pode derramar uma gota do sangue americano", escreveu Herman Melville em 1849, "sem derramar o sangue de todo o mundo." Mais do que nunca a declaração de Melville aplica-se não somente aos Estados Unidos, mas a todas as nações.

O trabalho de Radha Basu espalha-se por todo o mundo. Literalmente. De seu escritório em Cupertino, na Califórnia, ela dirige equipes de programadores de softwares da Hewlett-Packard que trabalham na Califórnia e no Colorado, na Austrália, na Inglaterra, na Alemanha, na Índia, no Japão e na Suíça. Nascida e educada na Índia, ela se formou em ciência da computação nos Estados Unidos, naturalizou-se americana e teve sua primeira experiência internacional na Alemanha. "Sinto-me como uma pessoa global", diz. "Em qualquer lugar que esteja, sinto-me como se tivesse nascido ali."

O sentimento que Basu experimenta é apropriado, dada a realidade dos negócios hoje. Em muitas indústrias, já vão longe os dias em que um projeto inteiro, ou produto, era feito somente em um lugar. A necessidade de terminar produtos e serviços rapidamente - e em formas suficientemente variadas para que satisfaçam a diferenças locais - faz com freqüência os projetistas trabalhar dia e noite, sem interrupção. Essa atitude de "seguir o sol" funciona melhor quando as tarefas são repartidas por vários continentes. E, à medida que a procura por talentos torna-se maior, os dirigentes globais devem ser tecnicamente adequados, mas culturalmente sensíveis, familiarizados com as regras corporativas, mas suficientemente flexíveis para dobrar essas regras, quando necessário. Mais do que tudo, eles devem levar a sua mensagem para pessoas que estão trabalhando em diversas latitudes. No caso de Basu, são 15 latitudes diferentes.

Basu teve sucesso na Hewlett-Packard. Em 1985, depois de dois anos na Alemanha, ela foi enviada à Índia para instalar uma unidade de produção de software. A Hewlett-Packard estava entre as primeiras multinacionais a realizar a proeza de estabelecer operações locais de softwares na Índia. Essa missão entusiasmou-a: há muito tempo ela esperava poder dar algo ao seu país. Os quatro anos que Basu passou na Índia foram difíceis. Seus colegas ingleses e europeus da HP consideravam-na ideal para o cargo, mas os indianos ressentiam-se do fato de ela ter saído do país e voltado como encarregada de transmitir os padrões de uma companhia. Porém, ao deixar a Índia, em 1989, os escritórios da Hewlett-Packard empregavam 400 pessoas e constituíam uma das mais bem-sucedidas unidades da companhia no exterior. No meio tempo, o marido de Basu lançara uma das primeiras redes indianas de computadores.

Dez anos depois, Basu ainda conserva estreitos laços com a Índia. Além de ajudar a recrutar localmente pessoas que possam desenvolver softwares, ela elaborou um plano para encontrar uma meia dúzia de companhias em Bangalore e em Madras que estabelecessem um contrato de serviços com a HP. Algumas dessas companhias até mesmo se estabeleceram em locais da própria Hewlett-Packard, para economizar dinheiro e obter suporte adequado desde o início.

É claro que a Hewlett-Packard poderia ter contratado as pessoas diretamente dessas companhias, mas Basu há muito tempo achava que "não é preciso fazer tudo internamente para ser bem-sucedido". A idéia de ter uma grande companhia servindo como viveiro para os empreendedores locais representa muito para ela. Especialmente pelo fato de que, em muitos lugares, as pessoas que têm muitas idéias, mas nenhuma experiência anterior, não conseguem levantar fundos. "Essa é uma nova maneira de dar poder às pessoas", diz Basu. "E não somente na Índia. Essa idéia também pode ser aplicada no Brasil, na China, na República Tcheca e em outros países em desenvolvimento com muito talento técnico disponível."

A interconexão do hibridismo, da inovação e do crescimento ainda escapa ao entendimento da maioria dos americanos. Na Nova Economia, as idéias e a inovação - a principal moeda dos híbridos - estão na base do sucesso comercial. Os custos de reunir as mentes necessárias para desenvolver um produto conceitual são pequenos, se comparados com os benefícios potenciais de criar um padrão ou uma aplicação "matadora". Assim, os empregadores espertos freqüentemente estão dispostos a pagar aos melhores talentos de fora do país até mesmo mais do que pagariam aos talentos locais - não os desvalorizando, como algumas pessoas temem, mas supervalorizando-os.

A máquina de aço, brilhante, berra como uma baleia. Donald Jagau, com o cabelo comprido preso numa rede, inclina-se sobre o ventre da máquina e muda a posição de um pequeno painel de circuito que está avançando por uma correia de transporte. Segurando uma tocha a gás em sua mão enluvada, ele queima um pequeno excesso de solda do esfregador da máquina. O suor escorre pela sua testa, acumulando-se sobre seus óculos de plástico. A temperatura é de 32 graus no aposento de "ar quente", hermeticamente fechado e profusamente iluminado. Mas Jagau move-se com ligeireza. Ele está acostumado com o calor. Nasceu na floresta de Bornéu, onde o calor é pior.

Num dia de verão de 1995, quando derrubava uma árvore na densa floresta que circunda a sua aldeia, Jagau ouviu um anúncio no seu radinho portátil de que uma companhia americana, a Hadco, estava procurando pessoas para trabalhos especializados numa das primeiras fábricas de alta tecnologia de Kuching, na Malásia. As únicas coisas requeridas eram um conhecimento básico de inglês e um diploma de curso secundário. Jagau tinha ambos. E também tinha o desejo de ganhar mais do que poderia ganhar derrubando árvores e plantando arroz nos campos vizinhos. A Hadco fabrica painéis de circuito impresso. Já tinha uma fábrica no Vale do Silício, mas precisava de um local no exterior para reduzir os custos. O lugar escolhido foi Kuching, que fica a 1 hora de vôo de Penang, o centro de alta tecnologia da Malásia. Essa mudança significaria custos mais baixos, mas também o recrutamento de uma força de trabalho completa, a partir da estaca zero. Para garantir que os novos empregados entendessem como uma fábrica eletrônica devia funcionar, a Hadco planejava mandar cerca de 100 deles para a sua fábrica nos Estados Unidos, num período de 11 meses de aprendizado.

Jagau levou 3 horas, viajando por barco, furgão e ônibus, para chegar a Kuching. Ele conseguiu o emprego.

Na Califórnia, Jagau desabrochou. Sua maneira descontraída e seu riso contagiante ganharam os americanos e conseguiram também que os muitos imigrantes mexicanos que trabalhavam na fábrica da Hadco se sentissem mais à vontade. Ele possuía um talento inato para compreender como as máquinas funcionam. Nas aulas de treinamento, falava pouco, mas entendia muito. Após o trabalho, num bangalô que partilhava com outros cinco malaios, ele fazia desenhos detalhados das misteriosas máquinas que eram usadas na fábrica. Devorava os manuais escritos em inglês árido. E decorava as rotinas diárias.

Jagau estava começando a viver simultaneamente em dois mundos. Na Califórnia, podia fingir que não era um Bidayuh, arrancado da floresta por alguma misteriosa corporação americana e transportado para a Disneylândia. Podia imaginar-se como um membro de qualquer das dúzias de nacionalidades que estavam representadas na fábrica. Sentia-se à vontade ali, tanto como mexicanos ou vietnamitas. Seu inglês até era melhor do que o da maior parte dos outros imigrantes. Mas, voltando a Kuching, ele não podia escapar ao passado - seus laços com Bidayuh, com seus pais e mais do que tudo, com sua mulher, Lucy. "Sou moderno. Ela não é", disse-me enquanto percorríamos a pequena distância entre a fábrica e seu bangalô. Ele tinha um e-mail, enquanto a pessoa que lhe era mais cara nunca ouvira um tom de dial.

Voltando à Malásia, Jagau retomou o trabalho na Hadco, cuja fábrica estava prestes a ser inaugurada. Ele vivia com Lucy numa exígua palhoça. Mas fazia o desjejum na fábrica - freqüentemente comendo panquecas, que começou a apreciar quando vivia nos Estados Unidos. Depois, envergava a roupa de trabalho, e o divertimento começava. Ele era bom no que fazia. Trazia sua máquina no pensamento. Não se surpreendia ao sonhar freqüentemente com ela. Passados seis meses, a Hadco pediu-lhe para treinar outros empregados. A companhia até começou a contratar pessoas indicadas por ele - pessoas da sua aldeia ou de outras, vizinhas.

As raízes não são um jogo que soma zero. Uma ligação não enfraquece outra. Na realidade, as pessoas podem ter ao mesmo tempo raízes e asas. Elas podem ter orgulho das suas origens sem o temor de acrescentar coisas à sua identidade. Tendo ao mesmo tempo raízes e asas, elas ajudam a preservar os grupos aos quais pertencem, exercendo sua liberdade individual, e os expondo a influências externas enriquecedoras. As vidas híbridas, portanto, são boas para os indivíduos e para os grupos. Em poucas palavras, o hibridismo compensa. E no momento econômico atual compensa muito.

As corporações multinacionais são estufas híbridas. As melhores estabelecem a diversidade. Sua missão é combinar as pessoas e suas necessidades, não importando nacionalidade, raça ou etnia. E os melhores administradores querem que os empregados conservem suas diferenças, aproveitando ao máximo tanto a sua singularidade como a tensão criadora estabelecida por essas diferenças. Os empregadores não desejam uma harmonia oca. Eles querem uma corporação cosmopolita.

As equipes híbridas são o novo ideal corporativo. Realmente as carreiras hoje são feitas, ou desfeitas, pela diversidade. O triunfo do inglês como língua dos negócios tornou mais fácil às corporações contratar os melhores e mais brilhantes em todo o mundo e depois juntá-los. As fusões internacionais também fomentaram a circulação de administradores, que por sua vez promove o hibridismo. A "mestiçagem" da administração atinge até as camadas mais altas. Um número sem precedentes de CEOs estrangeiros dirige as maiores companhias dos Estados Unidos, da Inglaterra e de outros países, de acordo com um estudo de Denis Lyons, recrutador de executivos de Nova York. "A aurora do milênio está trazendo um verdadeiro mercado global para os CEOs", diz Lyons.

O caso dos CEOS é especial, mas eles também são o modelo para o negócio híbrido. No campo técnico, as fronteiras estão se tornando cada vez menos significativas. Na engenharia, na física e em todos os tipos de design, as pessoas exibem suas raízes, como os exploradores do século 16 que navegavam em navios armados por ricos patrocinadores. O engenheiro chinês ou indiano que trabalha nos Estados Unidos é um clichê, mas pouco se sabe sobre os americanos arquitetos, vendedores e especialistas em shoppings que trabalham em corporações estrangeiras.

Alguns deles vivem no exterior. Outros, viajam para lá e para cá. Para essas pessoas, "um dia no escritório" pode significar uma viagem a outro continente. Nas melhores companhias, a montagem de equipes diversas tem se tornado uma parte rotineira dos negócios e uma peça central de estratégia. A McKinsey, a consultoria global, ilustra essa tendência. Nos anos 70, a maioria dos seus consultores era americana, e o seu contingente estrangeiro vinha de cerca de 20 países. Em meados dos anos 80, os americanos ainda eram mais da metade de todos seus consultores, embora a companhia recrutasse consultores em um grande número de países - talvez uns 30. Nos anos 90, essa tendência acentuou-se. Em 1999, o presidente era um indiano naturalizado. Somente 40% dos 4 800 consultores eram americanos, e os estrangeiros vinham de mais de 40 países.

Essa diversidade na McKinsey significa que não existe grupo dominante - nenhum molde de identidade. E o perfil de "Nações Unidas" da companhia não é somente um reflexo dos lugares onde são encontrados os seus clientes. Não há a preocupação de designar indianos para atender os clientes indianos, ou franceses para os da França. Essa é uma forma antiga de ver as coisas. A nova forma apresenta a equipe híbrida como um agente positivo. Os membros das sortidas 40 nacionalidades presentes na McKinsey não são necessariamente o que eles "deveriam" ser. "Se você permitir que o critério do mérito prevaleça, tem de conseguir uma diversidade muito grande", diz Rajat Gupta, presidente da McKinsey.

A McKinsey encoraja uma apreciação das diferenças realizando uma avaliação anual de seus escritórios por um consultor de qualquer outro lugar do mundo. O diretor do escritório de São Francisco pode avaliar o de Dusseldorf. Ou o de Paris pode avaliar o da Cidade do México. Esse processo atua como um controle e um fator de equilíbrio, impedindo que entre os sócios de uma determinada região ou país se estabeleça uma intimidade demasiada.

Isso é muito diferente daquilo que é conhecido como diversidade em algumas companhias norte-americanas que praticam o "marketing étnico" - como recrutar um negro para administrar contas no Harlem, ou um hispânico para cuidar da região do sul do Texas. O marketing étnico é jovialmente apresentado como uma forma de multiculturalismo, mas se ressente de totemismo e baseia-se em um modelo duvidoso de negócios. Em lugar de tentar captar clientes, a empresa híbrida age como se todos fossem híbridos. Os marqueteiros híbridos não procuram termos unidimensionais para descrever os clientes. Sua atitude contradiz o pressuposto do marketing étnico, que é o de colocar as pessoas em caixas. Durante um certo tempo o marketing étnico pode funcionar, mas não dura sempre. Termina por procurar os limites instáveis da identidade e por alienar os clientes potenciais.

Os benefícios do hibridismo podem ser grandes, mas a conversão a ele requer prática. Não é fácil para uma corporação madura, com pouca diversidade, mesclar-se rapidamente. Pelo fato de a identidade nacional estar incrustada em todas as corporações, muitas delas se comportam mais como "campeões nacionais" do que como concorrentes mundiais. As matrizes conservam suas características nacionais e se mantêm isoladas das filiais no exterior. Essas corporações nem mesmo se dão conta de que precisam misturar-se. Alguns líderes de companhias baseadas nos Estados Unidos, por se apoiarem numa mão-de-obra diversificada, ou porque seus fundadores são estrangeiros, misturam-se de maneira orgânica. Outros, como fazem os diretores da McKinsey, tentam atingir esse objetivo de modo pragmático, gerenciando treinamento, tática e estratégia. Muitos dirigentes de corporações, porém, acreditam que é excessivamente desanimador mesclar os seus talentos com os dos outros.

Não é, não. Uma companhia pode, com consciência, lutar para elevar a heterogeneidade entre os seus empregados - e de modo a criar não mais oportunidades para a assimilação num estilo dominante, mas um caleidoscópio de estilos e interesses. Mas como?

A companhia farmacêutica alemã Schering AG está às voltas com essa mesma questão. A Schering emprega 56% de seus 22 000 funcionários fora da Alemanha - principalmente nos Estados Unidos e no Japão, onde suas subsidiárias têm tradicionalmente trabalhado em completa independência uma da outra. Uma grande dificuldade consiste em que poucos empregados americanos ou japoneses trabalham nos centros da empresa em Berlim, e somente um punhado de não-alemães se inclui entre os seus 100 principais executivos. Em contrapartida, centenas de alemães trabalham em unidades da Schering no exterior. O núcleo da companhia permanece dominado por alemães - que formam suas prioridades, da pesquisa ao marketing.

Tome-se Dieter Schmeier, um veterano de 29 anos da Schering e alemão de nascimento. Schmeier, um psicólogo organizacional, inscreveu-se num programa de gerenciamento em Harvard. Por quatro meses, viveu num dormitório com outros oito executivos. Dois deles eram dos Estados Unidos, e os outros vinham da Austrália, Canadá, China, Índia, Filipinas e África do Sul. Ele jamais fizera parte de uma equipe tão heterogênea, e era cético em relação à validade de se misturar tanto com as pessoas. A rotina parecia pesada - e não só porque ele tinha de se comunicar em inglês, a língua nativa de quase todos os outros em seu grupo. Ele percebeu também que os americanos tomavam decisões com muita rapidez - rápido até demais. "Eles são chutadores impiedosos", afirma. "Nós, alemães, somos mais analíticos, mais lógicos e sistemáticos."

À medida que os meses passavam, Schmeier começou a se dar conta de que Harvard era "muito inteligente ao mesclar pessoas com formações muito diferentes". Sua visão sobre a mistura começou a mudar. Ele entendeu o que muitos americanos tomam como dado: o poder da diversidade. O insight de Schmeier incendiou sua imaginação: será que a Schering poderia fazer, numa escala maior, o que Harvard fizera? Quando voltou à Alemanha, era um homem tomado por uma idéia: "misturar as coisas".

A diretoria da Schering pediu a Schmeier para esboçar um plano para tornar a companhia híbrida. Cerca de 95% dos executivos que trabalhavam fora do país natal eram alemães. Resultado: os americanos não só não podiam ganhar vagas na Alemanha como em qualquer lugar. "Temos de acabar com esse desequilíbrio", exigiu Schmeier. Ele defendeu um outro ponto: os empregados deveriam circular com maior freqüência, apesar do custo extra. Baseado em sua experiência em Harvard, ele insistiu que é por meio de uma massa crítica de associações com estrangeiros que as pessoas realmente crescem, que trabalhar em vários lugares é mais importante do que conhecer apenas um novo lugar. "Se houver uma permanência muito longa em um país", diz ele, "a idéia de tornar uma pessoa multicultural se perde. Então estaremos ajudando um alemão a se tornar americano ou francês. Essa não é a idéia".

Foto: Luciano Rocha