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COMO
ACABAR COM A COLA NA ESCOLA
Resumo
- Este texto expõe uma teoria proposta
pelo professor Vicente Martins sobre a auto-avaliação do aluno. O autor
fundamenta sua teoria na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
Na opinião do professor, a auto-avaliação do aluno favorece à educação em
valores.
Introdução
- Quem não sentiu, no meio escolar, um friozinho
na barriga no dia da avaliação de Matemática ou Língua Portuguesa. Que
escola é essa que apavora as pessoas no momento em que devem apresentar, com
tranqüilidade e consciência-de-si, o que aprendeu no decorrer das aulas? À
medida que levantamento a bandeira da escola inclusiva, nossa tarefa também será
de avaliar e refletir os modelos de verificação de aprendizagem em sala de
aula.
Nessas
quase duas décadas de magistério, chego à desconfiança de que o sistema de
tirânico de atribuir notas e médias finais, concentrado no poder autocrático
do professor, tem estimulado os desvios éticos na formação escolar. Quero
dizer que quanto mais a escola for dura, rigorosa, mais esse clima hostil é
reproduzido nos modelos de avaliação escolar e nas “estratégias de
defesa” dos educandos.
A
idéia central do nosso artigo é mostrar, à luz da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional(LDB), a urgente necessidade de novas posturas dos
docentes para a reversão do fenômeno da cola, mais conhecida por “pesca”,
no processo de avaliação escolar.
Há
uma relação estreita, oriunda da tradição jesuítica, entre o sistema de
notas e a avaliação escolar. Aos olhos da educação em valores, modelo
anunciado como ideal para a sociedade informática,
essa relação pode não ser assim tão próxima e inseparável, isto é,
a atribuição de notas e médias finais não tem que obrigatoriamente estar
inserida no processo de avaliação.
Mas,
nessas alturas, você, se for professor, pai ou mesmo aluno,
está me indagando indignado: “Professor,
então, a LDB acabou com a reprovação? ”. Não é bem isso.
Expliquemos.
A
Lei 9.394/96, a LDB, ou Lei Darcy Ribeiro, como ficou mais conhecida, acabou, a
rigor, com o sistema rigoroso e tirânico de notas e médias finais no processo
de avaliação escolar. Claro, a nota pode existir como referência de verificação
de estudos.
A
nota verifica, não avalia - Toda
verificação é uma forma de avaliação, mas nem toda avaliação resulta da
verificação. Aliás, mesmo a verificação,
tão rotineira no meio escolar, é parte do processo de aprendizagem e,
portanto, não deve ser confundida com o julgamento do ensino.
Ninguém aprende para ser avaliado. Nós aprendemos para termos novas
atitudes e valores no palco da vida. A avaliação, meio e nunca fim do processo
de ensino, não deve se comprometer em ajuizar , mas reconhecer, no processo de
ensino, a formação de atitudes e valores.
A
educação em valores é uma realidade legislatória. A LDB, ao se referir à
verificação do rendimento escolar, determina que nós docentes observemos os
critérios de avaliação contínua e
cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos
qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre
os de eventuais provas finais (Art. 24, V). Aspectos não são notas, mas
registros de acompanhamento das atividades discentes.
A
avaliação contínua e cumulativa é
um recado para todos professores que nenhuma avaliação deve se decidida no
bimestre, trimestre ou semestre, mas deve resultar de um acompanhamento diário,
negociado, transparente, entre docente e aluno, daí seu aspecto diagnóstico.
Ou seja, constatada no processo de avaliação a não retenção de
conhecimentos, toma-se a medida de superar a limitação de aprendizagem.
A
rigor, a avaliava contínua e cumulativa é exatamente para nos convencer que
uma nota não deriva de uma eventual prova mensal, bimestral ou semestral. A
nota, quando existe, resulta de processo de aprendizagem, em que, a partir de um
pacto de convivência entre professor e aluno, define-se a avaliação, satisfatória
ou insatisfatória. A avaliação insatisfatória não significa reprovação
com conotação de promoção ou decesso.
Na
educação escolar, a fase da educação infantil é o período mais fértil
para mostrar as crianças que a avaliação é apenas um acompanhamento e
registro de seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o
acesso ao ensino fundamental (Art. 31).
Nos
demais níveis escolares, inclusive a educação superior, a avaliação deve
estar submetida aos objetivos de formação do cidadão, especialmente de levar
o educando ao desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a
aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores.
É
na educação básica que devemos reforçar que a cola resulta de atitude
negativa, pode ser tornar viciosa, prejudicial à formação de valores. Não
somos estimados, na vida, no mundo do trabalho, por notas, mas por merecimento
intrínseco.
A
nota, no meio escolar, é um julgamento de aproveitamento de estudos, expresso
em números; contudo, uma nota dez,
por exemplo, não é garantia de
uma qualidade virtuosa. A virtude, um dos fins da educação em valores é
construída a partir do sentimento de dever e do devir e nada tem a ver
com notas ou conceitos de rendimento escolar.
O
modelo rígido de avaliação leva os educandos a colarem já na educação
infantil, primeira etapa da educação básica. Os alunos na educação infantil
enxergam a cola como uma forma de mostrar aos familiares e mestres o rápido
desenvolvimento cognitivo. E somos nós, os adultos, os que mais exigem o
desenvolvimento cognitivo das crianças a qualquer preço, especialmente quando
nos referimos à leitura e à escrita ortográfica.
No
segundo momento, os alunos no ensino fundamental
exercitam a cola como afirmação de maturidade, de afirmação pessoal:
“ Eu pesco, eu passo”. Já não tão diferente do que ocorrerá com os
alunos no ensino médio se habituam a colar e quarta,
e, finalmente, os alunos na educação superior aperfeiçoam a cola.
O
quadro está simplificado, mas pensando em conseqüência dispedagógica, em
resultado final, chegaríamos ao seguinte: os professores, desde a primeira fase
da educação formal, entram em
parafuso com essa constatação e mergulham no desvario pedagógico, sem que
encontrem uma solução para essa problemática escolar.
Que
os alunos “pescam” é um fato. Os docentes não podem negar e simplesmente fazer vista grossa.
Os professores, os mais rígidos, são as maiores vítimas da cola clandestina.
Uma pesca bem tramada, utilizando recursos rudimentares ou os mais sofisticados
no mundo eletrônico, ocorre principalmente nas escolas dos filhos das classes
favorecidas.
Como
acabei com a cola -
Venho observando há quase duas décadas de magistério em escolas privadas, as
melhores de Fortaleza, em escolas públicas e nas universidades, públicas e
privadas. Mas, dentro desse mar de clandestinidade, consegui, nos últimos anos,
reverter em cem por cento a cópia ilegal.
A
façanha de eliminar a cola em sala de aula não me torna um herói, dá apenas
sentido a uma educação em valores. É isso mesmo. Uma educação voltada aos
valores revela, desde cedo, às crianças que, na vida, a competência cognitiva
não é tão determinante na conquista de uma vaga no mercado de trabalho. As
empresas desejam pessoas competentes, mas equilibradas emocionalmente, com
posturas éticas nos conflitos e contradições no mundo do trabalho, que
garantem não só a prosperidade mas a própria integração e solidariedade de
seus funcionários.
Minha fórmula é simples: eu dou a nota. Isso
mesmo. Oferto a nota como se pergunta a macaco se ele quer banana.
A nota que o aluno quiser. Isso para mostrar, desde cedo, ao aluno que
meu magistério não se confunde com prova formal, escrita, periódica. A prova,
claro, é aplicada, mas não para dar nota, mas validade aos conhecimentos
apreendidos pelo discentes e respaldar meu método de ensino. Ao contrário de
se criar desordem na avaliação, cria-se uma cultura auto-avaliação a partir
da consciência-de-si.
Na
prática, isso tem mostrado grande resultado: o fim da tensão avaliativa. Os
alunos não se sentem pressionados ou tensos para aprender e realizar nossas
avaliações. As provas passam a ter um caráter eminentemente de aprendizagem.
Enfatizo a necessidade de estabelecermos um acordo de convivência, em que não há lugar, na sala de aula,
para a prática do desarrazoado.
Meu
papel, no decorrer do processo de aprendizagem,
não é ser um detetive ou investigador de crime escolar, pronto para
descobrir as mais sofisticadas fórmulas de “pesca”. Meu papel é o de
educar, modificar comportamento do aluno, levá-lo adiante, fazer avançá-lo não
só em aspectos quantitativos mas também em aspectos qualitativos, isto é,
os valores e princípios maiores da boa ensinança.
Confesso que, no início desse procedimento
avaliativo, temia que muitos alunos, especialmente os mais ousados, chegassem a
mim e simplesmente dissessem: “pronto, taqui, mestre, minha prova em branco.
Pode colocar um dez”. Esse leve temor me fez ver que, na prática docente,
minha atitude não poderia ser demagógica ou falaciosa. Em sala de aula, ou você
tem uma relação aberta, dialógica, fraterna, verdadeira ou não chega a
lugar nenhum.
Facultar
a nota e assumir uma educação em
valores é o grande desafio para os novos mestres . No meu caso, já no primeiro
dia de aula faço a oferta das notas e não há quem admita recebê-las
espontaneamente, por puro comodismo. Confirmo
a desconfiança de que vamos à escola não para aprender a tirar boas notas, e
sim, termos uma formação de atitudes e valores. A vontade de aprender, e
aprender em condições de tranqüilidade do espírito, é bem mais prazerosa e
construtiva do que receber notas sem a paixão de aprender. A educação em
valores não acolhe a lei do menor esforço.
Minha
experiência diz que onde há transparência, não há clandestinidade ou
ilegalidade. Se minha autonomia docente é capaz de outorgar uma nota,
aparentemente graciosa, não se justifica a cola nessa situação, e sim, um
maior envolvimento e solidariedade do
aluno no processo de ensino proposto pelo professor. Se, eventualmente, o aluno
obtiver uma nota baixa, estou ao seu lado para ajudá-lo a superar a deficiência
de aprendizagem.
Decerto,
esse não é melhor caminho, não é o melhor método para se acabar com a cola.
Sei, apenas, que o contraveneno da cola vem das próprias entranhas da escola,
da contradição de seu vício. Também nosso compromisso, no âmbito da educação
escolar, não é perseguir métodos, e sim, conscientizar nossos alunos de que o
conhecimento cognitivo não deve ser tomado como única garantia, no mundo do
trabalho, de prosperidade ou sucesso na vida.
Este
artigo resulta dos trabalhos de investigação do professor Vicente Martins
sobre Política Educacional a partir da nova LDB
Sobre
o Autor:
Vicente
Martins é graduado e pós-graduado em Letras pela UECE com mestrado em educação
pela UFC. É professor , na área
de Letras e Educação, com dedicação exclusiva, da Universidade Estadual Vale
do Acaraú (UVA), em Sobral, Ceará.
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