projeto textos GESTÃO DA INTELIGÊNCIA Como administrar a maior riqueza do futuro Fonte: A empresa do novo milênio - REVISTA EXAME
Aprendi
a dizer não, ver a morte sem chorar, Há
um segredo para administrar o conhecimento, essa nova riqueza do mundo dos negócios.
É um segredo muito bem guardado, mas consiste, basicamente, de apenas quatro
palavrinhas: não há mais segredo. (Se você acha que isso é um paradoxo, então
veja este: as próximas 5 994 palavras são para explicar essas 4.) No
mundo de negócios tradicional, conhecimento é poder. Só a Coca-Cola detém a
fórmula da coca-cola. O protótipo de um carro novo é mantido em sigilo até a
data do lançamento. O método de produção é defendido como segredo de Estado
por se tratar de um diferencial competitivo. Guardar
o conhecimento para si faz sentido quando ele é a matriz de um produto ou serviço
que, este sim, se quer difundir. (E o preço do produto será tanto maior quanto
menos gente souber como fazê-lo.) Há outro caso em que se justifica a economia
do segredo: o reforço da hierarquia. O diretor financeiro escolhe quem pode e
quem não pode saber qual é o lucro da empresa. Só o chefe sabe quais os critérios
para contratar, promover ou demitir alguém. Esse
tipo de gestão do conhecimento não está condenado à morte. Ele vai continuar
a existir, vai se desenvolver e vai trazer seus benefícios e prejuízos usuais.
Mas há hoje uma nova prática no mundo dos negócios. Segundo ela, o poder não
está em deter conhecimento, mas em disseminá-lo. Quanto mais informação você
divide com os outros, maior o seu retorno. É assim que novas tecnologias podem
se tornar padrão mundial, é assim que uma empresa pode arregimentar uma rede
de fornecedores, é assim que você pode atrair clientes que ajudem a planejar o
produto que eles querem. Dentro
dessa nova prática, gestão do conhecimento não é mais o incentivo a um
departamento de gênios e a proteção dos direitos intelectuais. Gestão do
conhecimento é orientar a empresa inteira para produzir este que é o bem mais
valioso da nova economia, descobrir formas de aproveitá-lo, difundi-lo, combiná-lo.
E de lucrar com ele. Em cada caso particular, as empresas vão ter de escolher
qual o tipo de gestão do conhecimento que usarão: o segredo ou a cooperação,
a evolução ditada pelas leis de mercado ou pela revisão dos pares. Na maioria
das vezes, será necessário um misto dessas duas formas de gestão. ACABOU
A DISTRAÇÃO O
reinado do conhecimento como o principal produto da sociedade é descrito pelo
sociólogo Manuel Castells como uma evolução histórica. O primeiro modelo de
relação natureza-cultura foi o de primazia da natureza. O segundo,
estabelecido nas origens da Era Moderna e associado à Revolução Industrial e
ao triunfo da Razão, foi a dominação da natureza pela cultura. Estamos agora
entrando em um terceiro estágio, em que a cultura se refere a si mesma, tendo
suplantado a natureza a ponto de esta ser renovada (ou "preservada")
artificialmente como uma forma cultural. "É o começo de uma nova existência
e, sem dúvida, o início de uma nova era, a era da informação, marcada pela
autonomia da cultura ante as bases materiais de nossa existência", afirma
Castells, em A Sociedade em Rede (editora Paz e Terra). O
mundo do trabalho passa por transformação semelhante. Um dos patriarcas do
industrialismo, o engenheiro americano Frederick Taylor, acreditava que as máquinas
e os projetos industriais ficariam imensamente complicados, mas não seria
necessário que os trabalhadores os entendessem. Quanto menos "distraídos"
pela compreensão, mais eficientes seriam em seus trabalhos. Isso não se
aplicava somente aos operários. Uma das primeiras empresas do mundo, a britânica
Companhia das Índias Orientais, foi chefiada durante 35 anos, a partir de 1823,
pelo economista John Stuart Mill, que cumpria expediente das 10 da manhã até
as 4 da tarde e aproveitava boa parte dessas horas para escrever suas obras. Ele
considerava o trabalho de executivo apenas "suficientemente intelectual
para não se tornar enfadonho, sem causar nenhuma pressão" sobre seus
poderes mentais, como escreveu em sua biografia. Isso
é passado. A indústria hoje exige, tanto de executivos como de operários, que
agreguem valor a processos e produtos. Esse valor - a essência da inovação -
é obtido com conhecimento. Estamos, de certa forma, caminhando ainda mais para
o passado. Segundo Aristóteles e Platão, toda execução de objetos materiais,
até mesmo de obras de arte, representa uma atividade de segunda ordem, se
comparada com a produção de idéias. Euclides
se gabava que seu estudo de números primos não tinha nenhuma utilidade para a
vida grega. O matemático inglês G.H. Hardy se orgulhava de que nenhuma
descoberta sua, no campo da teoria dos números, faria a menor diferença para o
mundo prático. Estavam errados: números primos, um conhecimento sem aplicação
por 2 300 anos, são a base dos códigos de segurança de informação para
computadores. Dois mil anos depois que os gregos decidiram estudar uma curva
chamada elipse, astrônomos descobriram que ela descreve as órbitas dos
planetas. Em 1854, o matemático alemão Bernhard Riemann resolveu brincar com
os postulados de Euclides e construiu uma geometria ridícula baseada numa
abstração chamada espaço curvo, e 60 anos depois Albert Einstein anunciou que
esse era o formato do universo. Nem
todos concordam que estejamos na era da informação. O intelectual italiano
Umberto Eco, por exemplo, diz que no mundo de hoje não temos mais informação,
temos menos. "Quando peço uma bibliografia na Internet e recebo uma lista
com 10 000 títulos, não tenho nenhum ganho de informação com isso. Com a
Internet, corremos o risco de nos tornar autodidatas. O autodidata é aquele que
absorve uma enorme quantidade de informações, muito mais do que um professor
universitário, mas não sabe filtrá-las", disse em entrevista ao jornal O
Estado de S. Paulo, em maio. O risco é verdadeiro, mas o avanço é inegável,
e uma medida do avanço é justamente o teor das críticas que recebem as novas
tecnologias, vindas de gente que domina as antigas. A
situação é semelhante à de uma lenda egípcia. Quando o deus Thoth revelou
ao rei Thamos a sua descoberta da arte da escrita, o bom rei a denunciou como
inimiga da civilização. Thamos reclamava que as crianças e os jovens, que
sempre tinham sido forçados a memorizar tudo o que lhes era ensinado, dali em
diante deixariam de exercitar sua memória. O
QUE É COMUM VALE MAIS O
que há de diferente num mercado em que a cultura se relaciona com a cultura e
em que o conhecimento é não apenas uma forma de modificar produtos, mas um
produto em si mesmo? Eis algumas das diferenças: •
os recursos são infinitos; O
que funciona segundo essa nova lógica? Toda a área de saúde, ciências,
entretenimento, comunicação, educação. Na indústria tradicional, os
conceitos que dão origem aos produtos. Por isso, num desfile de modas, não
importa se aquelas roupas nunca vão ser usadas na rua; não é o produto que
está à venda, é o conceito que vai influenciar um mercado têxtil de milhões
de dólares. Nessa
lógica, a concorrência não se dá mais no espaço, e sim no tempo. Um
exemplo: a descoberta do vírus da Aids é disputada pelo cientista americano
Robert Gallo e pelo pesquisador francês Luc Montagnier. As duas equipes e todos
os pesquisadores que trabalham nisso têm o mesmo interesse, curar a doença, e
cooperam uns com os outros. A disputa é para determinar quem faz as descobertas
primeiro. Não é só uma questão de glória, é uma questão de garantir
investimentos para continuar as pesquisas. (Por isso, rapidez é uma das
características essenciais da empresa do futuro.) Há
uma outra peculiaridade no mundo do conhecimento: o comum vale mais que o raro.
A lei de diminuição de retornos diz que o valor de um item cai quando sua
oferta aumenta, mas o segundo telefone faz o primeiro valer mais. O valor do
programa Windows, da Microsoft, cresceu por causa da sua adoção por milhões
de usuários. A
inversão não se dá apenas na ponta da receita, com a valorização do
produto, mas também na ponta da despesa. Depois dos milhões de dólares
investidos no desenvolvimento de um software, o custo do segundo programa é
praticamente zero. (O custo do segundo carro, não, porque há gastos com matéria-prima
e trabalho.) Quando o produto pertence ao reino do conhecimento, portanto, há
um prêmio maior para a inovação: ela é a única área em que há concentração
de valor. A regra é: inovar ou tornar-se commodity. Essa
concentração de valor é claramente percebida pelo mercado financeiro, como
mostra uma pesquisa feita pela consultoria Arthur D. Little. A pesquisa examinou
as cotações em bolsa de companhias que a revista Fortune listou, durante 15
anos, de acordo com seu grau de inovação. Os 20% de companhias mais inovadoras
deram a seus acionistas o dobro dos retornos médios em sua indústria. Os 20%
de companhias menos inovadoras tiveram retornos de menos de um terço da média
das outras empresas. "Mais de 90% dos analistas de Wall Street afirmam que
a importância da inovação aumentou significativamente nos últimos dez
anos", dizem os consultores Ronald Jonash e Tom Sommerlatte. A
inovação não se restringe ao produto. As parcerias e alianças da fabricante
de chips
Intel com os fabricantes de computador estenderam sua cadeia de valor. Sua inovação
na estratégia de marketing, criando uma identidade para o chip, transformou uma
commodity em marca, afirmam Jonash e Sommerlatte. Levando tudo em conta, a
capacidade de inovação da Intel lhe rendeu um crescimento anual composto de
42% no valor de suas ações nos últimos dez anos. Inovação
sem propriedade •
A Web, a rede mundial de computadores, que tanto aumenta a produtividade das
empresas, teve seu início com o intuito de aumentar a cooperação científica,
utilizando a prática acadêmica da revisão pelos pares. Essa prática se
baseia na idéia de que a cooperação de gente capacitada promove o
desenvolvimento de forma mais rápida que a defesa acirrada da propriedade
intelectual. •
O modem, aparelho que permite troca de dados por computador, foi inventado por
dois estudantes de Chicago, Ward Christensen e Randy Suess, em 1978. Eles
difundiram a tecnologia sem nenhum custo porque o objetivo era espalhar as
capacidades de comunicação o máximo possível. Até
aí, apesar de as duas inovações serem cruciais para o mundo moderno, estávamos
no terreno do altruísmo, pouco levado a sério como modelo de negócios. O
sistema operacional Linux, desenvolvido a partir de uma idéia do finlandês
Linus Torvalds, mudou esse panorama. (Sistema operacional é o programa-base,
que permite que o computador funcione.) O Linux é um sistema aberto. Qualquer
um pode usá-lo e modificá-lo sem pagar direitos autorais, mas toda modificação
deve ser também oferecida gratuitamente pela Internet. Parece coisa de
sonhadores, mas o estágio de desenvolvimento chegou a tal ponto que grandes
empresas (IBM, Oracle, Intel) estão aderindo ao sistema. A distribuição do
Linux cresceu mais de 190% no ano passado e continua aumentando. Se
é tudo de graça, quem ganha dinheiro com isso? Há todo um mercado baseado
nesse sistema operacional. José Carlos Benfatti, da consultoria ZZP, faz parte
dele. Sua empresa presta serviços de informática a grandes firmas. "Meu
negócio é viável porque há gente desinteressada desenvolvendo o Linux",
diz. Em contrapartida, cada problema solucionado por ele é meticulosamente
explicado no site do desenvolvimento do sistema. O
Linux é o melhor exemplo até hoje de uma alternativa à política de
propriedade do conhecimento. O sistema é considerado muito seguro. Não trava,
é elegante. Por quê? •
Em primeiro lugar, por causa da revisão pelos pares. Cada passo é testado por
gente competente, não há "caixa-preta". 1.
Os problemas têm que ser interessantes. Só assim vão despertar a ajuda de
gente capaz;
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